No plano da reflexão teórica sobre os diversos ramos do Direito, os processualistas são admiráveis por seus conceitos curtos e certeiros. Um desses, inegável corifeu da velha Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, o professor João Mendes Júnior, discorrendo sobre a competência judicial, foi preciso posto que lacônico: “competência é a medida da jurisdição”. Referindo-se ao conceito de competência, outro famoso processualista, o italiano Francesco Carnelluti que tanta influência projeta nos processualistas tupiniquins de ontem e de hoje, assevera que a competência é a “extensão de poder que pertence a cada órgão judicial ou a cada componente do órgão, em comparação com os demais”. Claro e preciso, também. Em suma, querem ambos dizer é que o exercício da função estatal de julgar tem limitações de várias ordens, fixadas a partir de cinco critérios conhecidos: o material, o pessoal, o funcional, o territorial e o econômico. Assim, o poder de julgar é condicionado e comporta indeclináveis limitações.
Sem esses “freios”, o poder-função do Estado encarregado de administrar a Justiça resvalaria para a completa desordem, tumultuando a aplicação e interpretação do Direito, ademais de promover paradoxais incerteza e insegurança jurídicas. Ora, o objetivo maior do Direito sempre foi emprestar certeza e segurança jurídicas às relações sociais. Além disto, o fracionamento desse (enorme) poder que têm os juízes de decidir sobre a vida, a liberdade, o estado e o patrimônio das pessoas, interpretar as leis e até o sentimento que emana da Constituição, têm-se mostrado salutar, racional e capaz de evitar alguns vícios e perigosos desvios. A propósito, o sábio Montesquieu, no seu “O Espírito das Leis” já advertia que “Todo homem investido de poder é tentado a abusar dele”.
Por isto é que vale refletir
sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que cortou as longuíssimas
asas do midiático juiz federal Sérgio Moro, a estrela maior da
“Operação Lava-Jato”, que meteu na cadeia alguns dos maiores empresários
e políticos brasileiros com o objetivo de vê-los, no desespero, delatar
algumas das figuras da República que ocupam relevantes cargos na esfera
federal, além de comprometer a imagem daquele que é o mais forte
candidato à eleição presidencial de 2018: o ex-presidente Lula. Claro,
tudo Moro e sua equipe (de delegados e agentes da Polícia Federal) têm
feito para encontrar um fiozinho solto capaz de comprometer Lula e
metê-lo nas grades.
Em boa hora, resolveu o
Supremo Tribunal Federal que o competência do juiz Sérgio Fernando Moro
não era tão extensa como desejariam a Rede Globo, o Estadão ou a Folha
de São Paulo. Com efeito, sob forte influxo midiático, esse jovem juiz
federal resolveu ampliar demasiadamente as suas atribuições
jurisdicionais para incluir investigações acerca de vários casos de
corrupção ocorridos no país que, de rigor, sequer deveriam ser por ele
processados, porquanto ocorridos noutros lugares e sem vinculação com o
caso de corrupção da Petrobrás.
O certo é que Moro, sob o
olhar complacente das instâncias superiores, resolveu chamar para si a
responsabilidade de ser o anjo vingador a punir, de princípio, os
diversos naipes de corruptos que teriam beneficiado-se com grandes somas
subtraídas da Petrobrás. Todavia, Moro ampliou a sua jurisdição, para
alcançar, inclusive, casos que jamais poderiam ser por ele investigados,
ocorridos longe do que seria a sua competência territorial e funcional.
Em boa hora o Supremo
Tribunal Federal cortou as asas do juiz Sérgio Moro, que pretendia
incendiar o país com suas decisões messiânicas cujo objetivo era
reordenar a vida republicana a partir da decretação de prisões de alguns
figurões do mundo dos negócios e da política, para levá-los ao
desespero e forçá-los a fazer as tais “colaborações premiadas”,
sobretudo, capazes de abalar os pilares do governo federal e jogar na
lama o Partido dos Trabalhadores (PT), que é o da atual presidente da
República e do ex-presidente Lula. Se o STF não tivesse decidido pela
retirada de alguns processos das mãos de Moro, o Brasil inteiro estaria
submetido ao seu exclusivo crivo, com graves consequências para a nação;
sob a fortissima luz dos refletores da grande mídia conservadora Moro
foi transformado na “grande esperança branca” dos dias que correm,
sobretudo, como possibilidade mais concreta de realizar o sonho dos
tucanos derrotados nas urnas de 2014 de um terceiro turno das eleições
cujo pressuposto seria a aprovação do impeachment da presidenta
Dilma Rousseff. Decerto imagina o juiz Moro e seus numerosos apologistas
que ele estaria investido de amplíssimo poder jurisdicional, de
abrangência nacional, que tudo pode, faz e acontece. Um absurdo, sob a
ótica processual.
A verdade é que, nas asas de
acendrado ativismo judicial, o juiz Moro passou a acreditar que era ele
mesmo o demiurgo de um novo tempo desta nação, mesmo porque é assim que
grandes veículos de comunicação, a começar pela Rede Globo, vêm
construindo sua imagem pública. Aliás, não foi sem propósito que o seu
nome foi cogitado até para ministro do próprio STF, na vaga de Joaquim
Barbosa isto sem falar na enorme ovação que recebeu, recentemente, de
quinhentos empresários presentes a um jantar organizado em São Paulo
pela Lide, o grupo empresarial presidido por João Dória Júnior que é
pré-candidato à prefeitura paulistana pelo PSDB.
Assim, nada excepcional ou de
absurdo na decisão do STF que limitou o campo de atuação do juiz Moro,
ao reconhecer que ele não pode examinar a participação da senadora
Gleisi Hoffmann (PT-PR) em supostos desvios de recursos do Fundo
Consist, ocorridos em São Paulo e que nada têm a ver com os casos de
corrupção da Petrobrás. Com esse “freio de arrumação”corrigiu a Suprema
Corte brasileira um lastimável equívoco que seria o supremo poder que
alguns imaginavam estar investido o juiz Moro. Aliás, um direito supremo
resvala para a suprema injustiça. Summum jus summa injuria. Por isto é quedecidiu o STF com serenidade e aprumo. E já não era sem tempo, como se dizia antigamente.
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