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| Paulo Afonso Linhares, jurista e diretor geral da Rádio Difusora de Mossoró |
Os
constitucionalistas não cansam de reclamar das insuficiências do
federalismo brasileiro, sobretudo porque não passa de uma simulação de
Estado unitário. E tudo isto porque no parto republicano de 1889, as
unidade federativas, à exceção de umas poucas (São Paulo e Minas Gerais)
já nasceram fracas, embora apelidadas de Estado. A chamada Revolução de
Trinta, que nem revolução efetivamente foi, teve o desiderato de
implodir com a política do Café-com-Leite das oligarquias rurais
de São Paulo e Minas, que se alternavam na presidência da República, no
período anterior a 1930, conhecido como República Velha. Os
“revolucionários” que tomaram o poder nos anos ’30, capitaneados pelo
gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, embalavam um projeto de modernização do
Brasil bem mais ousado do que poderiam imaginar os oligarcas mineiros e
paulistas. Parece até que o grande movimento estético de 1922 – a
Semana de Arte Moderna – estava na raiz desse movimento político que
teve múltiplos enfoques na tarefa de modernizar o Brasil, inclusive
transformar a superestrutura (instituições jurídicas, políticas e
sociais), para torná-la mais próxima das nações européias e da América
do Norte.
A
despeito de instituir um novo sistema eleitoral e de avançar nas
políticas sociais, o Estado Novo tinha um forte pendor autoritário e
paternalista que somente ganhou corpo em 1935 quando Vargas patrocinou
um autêntico putsch, numa bem urdida trama denominada de “Plano Cohen”,
em que chutou para fora da cena política tanto os esquerdistas da
poderosa Aliança Nacional Libertadora, comandada pelo lendário capitão
Luiz Carlos Prestes, quantos a direita protofascista organizada em torno
do Integralismo de Plínio Salgado e da intelectualidade católica,
embora o que se seguiu, a partir de 1937, foi um Estado de cariz
profundamente autoritário e truculento que seguia os mesmos rituais das
autocracias europeias de então, sobretudo, a Alemanha nazista e a Itália
fascista. Nesse vendaval autoritário o federalismo deixou praticamente
de existir, embora as unidades “federativas” tenham permanecido
comandadas por interventores nomeados por Vargas.
A
redemocratização de 1945, embora tenha gerado uma nova constituição
(democrático-liberal), não avançou numa redefinição do federalismo, de
modo a atribuir às unidades federadas maiores competências e
participação na repartição das receitas tributárias. Aliás, nessa
configuração somente os Estados, Distrito Federal e territórios eram
considerados entes federativos. Acertadamente, não eram os municípios
enquadrados nesta categoria, pois compunham os Estados. A questão
federativa jamais chegou a ser discutida nesse período, marcado por
inúmeras crises institucionais, inclusive velados e tentados golpes de
Estado, motins de militares, crises internacionais etc. Claro, se
comparado com o período mais duro da ditadura getuliana (de forte
cesarismo negativo), sob a égide da “Polaca”, as instituições plasmadas
na Carta de 1946 era anos-luz mais democráticas, porém, manteve o poder
centralizado na União Federal e recriou a Justiça Federal extinta pela
Constituição de 1937 (inicialmente, instituiu o Tribunal Federal de
Recursos para julgar as causas decididas em primeira instância quando
houvesse interesse da União ou crimes praticados contra seus bens,
serviços e interesses). Com o advento da Lei nº 5.010, de 30 de maio de
1966, é regulamentada a estrutura da recriada Justiça Federal
brasileira, com cada um dos Estados, Territórios e o Distrito Federal
constituindo uma Seção Judiciária (sua primeira instância), agrupados em
cinco regiões judiciárias.
A
recriação da Justiça Federal de primeira instância demarcou bem o
crescimento da esfera federal naquele período. Morta a Constituição de
1946, melhor desempenho não teve a Constituição de 1967 (com as
modificações da famigerada Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro
de 1969), nos sentido de deter a cada vez mais acentuada supremacia da
União em face dos entes federais inferiores; é o que se esperaria dos
governos da ditadura implantada em 31 de março de 1964, vez que esse
novo putsch teve forte inspiração liberal-conservadora: em vez de
um Estado minimalista, o Brasil construiu um enorme paquiderme estatal,
com forte intervenção no domínio econômico. Noutro azimute, a federação
ficou extremamente enfraquecida, tanto que governadores, prefeitos das
capitais e até senadores (1/3 do Senado) eram nomeados pelo ditador
militar de plantão.
Da
constituição cidadã de 1988, tudo se esperava, inclusive um federalismo
de verdade. Deu chabu: da extrema esquerda à extrema direito houve um
esforço para construir um Estado fortíssimo e centralizador, em que as
unidades federadas (com os municípios erroneamente incluídos), são meros
coadjuvantes. Em tudo, a presença incômoda e presunçosa da União, com
esses ares de falso brilhante. Coisas mal-amanhadas deste Brasil velho
sem porteira. Até quando?
* Paulo Afonso Linhares é jurista e diretor geral da Rádio Difusora de Mossoró


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