As decisões recentes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, provocaram uma deterioração acentuada da imagem norte-americana no Brasil e em diversos países ao redor do mundo. A reportagem do jornal O Globo, publicada nesta segunda-feira (21), mostra que o tarifaço imposto pelo governo Trump, que condicionou barreiras comerciais ao andamento de processos judiciais contra Jair Bolsonaro, colocou o Brasil no grupo das nações que rechaçam com veemência a postura da maior potência mundial.
No Brasil, o desgaste da imagem dos Estados Unidos acompanha uma reação popular clara, conforme revelam levantamentos da Genial/Quaest. Segundo a última pesquisa, 72% dos brasileiros consideram errada a imposição das tarifas vinculadas ao caso Bolsonaro e 79% temem que a medida afete diretamente sua qualidade de vida. Além disso, 63% rejeitam o argumento de Trump de que a relação comercial entre Brasil e EUA seria injusta.
O cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV EAESP, explicou o fenômeno à reportagem: “Sempre houve, no caso do Brasil, um antiamericanismo histórico, que tem a ver com intervenções diretas ou indiretas daquele país na política nacional. Mas isso nunca foi maior do que a admiração e até a espécie de modelo que os Estados Unidos representam para o Brasil em alguns estratos sociais, com a percepção de que lá é ‘o Brasil que deu certo’. Agora que viramos alvo específico, essa percepção vai naturalmente se degradar”.
Essa tendência não se limita ao Brasil. O Pew Research Center identificou uma queda acentuada da aprovação global dos Estados Unidos. Em 14 das 25 nações analisadas, a opinião favorável sobre o país caiu nos últimos doze meses. Países historicamente aliados, como Canadá e países da Europa Ocidental, passaram a enxergar os EUA mais como ameaça do que parceiro confiável. Apenas três países — Israel, Nigéria e Turquia — registraram melhora na percepção positiva.
No Brasil, mesmo antes do tarifaço, o desgaste era evidente: a aprovação positiva em relação aos EUA caiu de 64% para 56%, conforme pesquisa de junho. A queda já era notada em levantamentos anteriores, impulsionada por temas como deportações de imigrantes brasileiros. Entre março de 2024 e abril de 2025, os números da Quaest apontavam uma queda ainda mais acentuada, de 58% para 44%.
A ofensiva tarifária também gerou efeitos políticos internos. Segundo Antonio Lavareda, cientista político e fundador do Ipespe, o gesto de Trump contribuiu para unir o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em torno de uma retórica nacionalista. “Tem sido afetada a confiança dos demais países nos Estados Unidos, e a confiança é a base das relações políticas e diplomáticas. Há uma tendência de erosão substancial da confiança”, afirmou Lavareda. Ele também destacou que o tarifaço gerou no Brasil uma reação de “coalizão em torno da bandeira”, beneficiando diretamente o governo Lula.
Outro especialista ouvido, o professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, apontou que Trump ignora o impacto negativo de seus atos sobre o nacionalismo de países soberanos. “Trump parece não compreender muito bem a dinâmica do nacionalismo alheio e que esse tipo de postura gera uma resistência que se volta como uma ameaça à soberania”, disse Stuenkel.
A rejeição ao presidente dos Estados Unidos também se intensificou. Após o anúncio das tarifas, a pesquisa Atlas/Bloomberg revelou um salto na desaprovação de Trump no Brasil: de 52% para 63,2% em apenas seis meses.
O impacto global também é significativo. Levantamento do Pew Research Center mostra que, entre 2019 e 2025, aumentou significativamente o número de países que classificam os Estados Unidos como “a maior ameaça global”. No México, a desaprovação subiu de 56% para 68%, enquanto no Canadá o índice triplicou, passando de 20% para 59%. Em lugares como a Austrália e o Canadá, esse desgaste contribuiu até para a recuperação política de governos nacionais, beneficiados pelo discurso nacionalista em contraposição ao intervencionismo americano.
Internamente, o governo brasileiro tem apostado em um discurso fortemente nacionalista, resgatando símbolos como a bandeira verde e amarela, apropriados nos últimos anos pela direita bolsonarista. A frase “Meu partido é o Brasil”, antes associada a Jair Bolsonaro, voltou a circular em materiais produzidos por apoiadores do governo Lula, inclusive em bonés usados em eventos públicos.
O episódio evidencia uma mudança no equilíbrio geopolítico: ações agressivas do presidente Donald Trump vêm isolando os Estados Unidos e reconfigurando percepções no mundo todo, com impactos diretos na política brasileira. Além das tarifas, a tensão aumentou após a recente cassação de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal, medida anunciada pelo governo americano logo após a operação da Polícia Federal que impôs restrições a Jair Bolsonaro.
As consequências ainda estão sendo mensuradas, mas os dados indicam que a estratégia trumpista já causou efeitos colaterais: enfraqueceu seus aliados na oposição brasileira, fortaleceu a narrativa nacionalista no governo Lula e acelerou a erosão da imagem global dos Estados Unidos.
Brasil 247
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