POR PAULO AFONSO LINHARES
Na esteira da ideia-força de que toda corrupção
deve ser castigada, parcela significativa do aparato punitivo estatal
brasileiro condensado no tripé Magistratura-Ministério Público-Polícia,
aliado às poderosas estruturas midiáticas nacionais, tem investido no
“espetáculo”, na “novelização” dos processos judiciais, a exemplo do tom
espetaculoso dos desdobramentos judiciais da chamada “Operação Lava
Jato”, da Polícia Federal, que apura práticas de ilícitos relacionadas
com o pagamento de propinas milionárias a executivos da Petrobrás, com
destinação de recursos financeiros para financiamento de partidos
políticos e campanhas eleitorais. Por decorrência da regra processual
da “prevenção do juízo”, cabe à 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná,
cujo titular é o juiz Sérgio Fernando Moro, o processo e julgamento de
diversas ações criminais, a despeito dos atos tidos como delituosos
terem ocorrido em diversos outros locais do Brasil ou mesmo até fora
deste país.
Nesse caso judicial que se arrasta há meses,
sugestivamente dividido em “fases” (as recentes prisões dos executivos
principais das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez deram início à
14ª Fase), tendo como modelo os “capítulos” das novelas da Rede Globo, o
juiz Sérgio Moro passou a ocupar, para o bem ou para o mal, a posição
que meses antes pertencia ao ministro do STF Joaquim Barbosa, atualmente
aposentado: a de anjo vingador ou, mais especificamente para nós de
cultura lusitana, um redivivo Dom Sebastião de brilhante armadura e
espada em riste a investir contra hordas de empresários e políticos
corruptos.
De sólida formação jurídica, inclusive com passagem pela prestigiosa Harvard Law School,
além de ser Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal dom
Paraná, o juiz Moro surfa na enorme notoriedade que o comando dos
julgamentos dos crimes descobertos na Operação Lava Jato atribui, sendo
elevado à condição de herói por enorme parcela da população brasileira,
com a enorme alavancagem midiática derivadas dos enormes interesses
políticos e econômicos em jogo. Sobretudo, é imprescindível sempre possa
o juiz distinguir o reto do que é efetivamente torto, para lembrar
conhecida expressão do poeta latino Horácio (“Curvo dinoscere rectum”).
Lideranças sindicais de petroleiros, a exemplo
de Emanuel Cancella, do Sindipetro-RJ, sem meias palavras acusa Moro de
parcialidade e de que estaria a serviço do PSDB e de empresas
petroleiras multinacionais, principais beneficiários do estardalhaço da
Operação Lava Jato. O PSDB é o grande beneficiário político, pelos
estragos direcionados que ela tem causado ao Partido dos Trabalhadores
e, sobretudo, à imagem da presidente Dilma, ademais de visar como
objetivo de médio prazo o alijamento do ex-presidente Lula da disputa
presidencial de 2018, a partir do seu envolvimento, direta ou
indiretamente, por obra de delações premiadas, como beneficiário de
recursos oriundos da corrupção feita na Petrobrás. Ressalta, todavia,
que o sonho de consumo de tucanos e outros despeitados de diversas
extrações, é ver nas grades o filho de Dona Lindu, a qualquer custo, por
razões que nem Freud explica, porém, que estão bem claras nas cartilhas
das elites conservadoras, perversas, oligárquicas e aristocráticas,
aboletadas em suas casas-grandes, seus sobrados, suas mansões suntuosas e
apartamentos de luxo…
Do ponto de vista econômico, as concorrentes
multinacionais da Petrobrás ganham muito com o desgaste de sua imagem no
mercado mundial, que inevitavelmente vem ocorrendo, inclusive o enorme
aviltamento do valor da empresa (tomado como base as cotações de 22 de
dezembro de 2014, a Petrobrás teria perdido, em dólar, 43,6% do seu
valor de mercado nesse ano, caindo de US$ 91 bi8lhões para US$ 51,6
bilhões. Em 2015 esse valor continuou em queda, embora, haja sinais de
recuperação nos últimos dois meses). Lembram essas lideranças, que a
esposa do mesmo juiz, Rosângela Moro, é advogada do PSDB e de empresa
multinacionais de petróleo. No processo da Operação Lava Jato o uso
excessivo de delações premiadas levanta a suspeita de abuso, ademais dos
enormes casos de vazamento de informações para grandes veículos da
imprensa, tudo para fortalecer o entendimento de que algo de podre deve
haver nesse reino da Dinamarca…
A atuação mesma do juiz Moro é cercada aspectos
polêmicos, a começar pelo excessivo peso que têm as delações premiadas
no processo e que serve de base para decretação de prisões preventivas,
apreensão de bens, bloqueio de ativos financeiros etc. Estranho é que o
próprio Moro tenha declarado que “[…] É certo que os depoimentos de
Alberto Youssef, de Paulo Roberto costa (…) devem ser vistos com muitas
reservas, já que se tratam de pessoas acusadas por crimes graves e que
buscam benefícios de redução de pena […]” e noutro momento asseverado que a delação “é um instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos”.
Pelo visto, essa opinião não encontra conforto
na melhor doutrina do direito processual penal brasileiro. O ex-ministro
do STJ, Gilson Dipp, que foi também corregedor-geral do Conselho
Nacional de Justiça e membro da Comissão da Verdade, jurista e
magistrado de alto conceito entre seus pares, em recente palestra na
Associação Comercial de São Paulo, afirmou que “a palavra do delator vale muito pouco” e que a delação premiada “não é prova“, de modo que “é
apenas um instrumento de obtenção de prova. Não vale a palavra dele
para condenar, muito menos para oferecer uma denúncia se for apenas na
sua informação. Uma delação não tem o condão de fundamentar uma sentença
judicial. Eu diria mais: não tem o condão de fundamentar sequer uma
denúncia.” Palavras sábias de quem, doutra feita, corajosamente afirmou que “O juiz tem que ser magistrado e não majestade” e sabe, como diz Michel Foucault, no clássico Vigiar e Punir, que “é preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar”. Justiça, sim, vingança jamais.

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