A Câmara dos Deputados é, sempre foi e será por muito tempo ainda, a
grande caixa de ressonância política da nação brasileira, em especial
para aqueles que têm no Senado Federal uma típica inutilidade
institucional, uma deformidade de um Poder Executivo com fortes traços
de potestade imperial e um Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do
Poder Judiciário, cuja tecitura orgânico-funcional é anacrônica e,
sobretudo, destoa do conceito contemporâneo daquilo que se entende por
“corte constitucional”. Assim, os três poderes da República padecem de
males congênitos, salvo uma parte de um deles: a Câmara dos Deputados
que, nos quase dois séculos de implantação do Estado brasileiro (em
1822), tem cumprido importante papel, mesmo naqueles momentos de euforia
autoritária em que a democracia jazia obnubilada.
Aliás, tudo decorrente do “pecado original” que foi a cópia
mal-ajambrada das instituições jurídico-políticas norte-americanas
feita, no texto da Constituição de 1981, por Ruy Barbosa e outros
próceres republicanos, nos albores da nova ordem implantada com o fim da
monarquia tupiniquim. Certamente alguns não leram e quem leu não
conseguiu entender bem o magnum opus de Alexis de Tocqueville, “Da Democracia na América”,
cuja edição brasileira somente veio a lume em 1899. Em especial,
leituras enviesadas do Brasil e do seu projeto de nação. Daí que as
instituições nasceram embaralhadas e assim permanecem até hoje.
Embora não padeça de males congênitos, a Câmara dos Deputados acumula
vícios institucionais típicos do seu deficiente amadurecimento e mesmo
da democracia brasileira, cuja base é o regime representativo e suas
crises permanentes e insolúveis de ilegitimidade. Contudo, a despeito de
impopularidade de que as instituições parlamentares são alvo, o que já
se tornou tradição no Brasil, a contabilidade da Câmara dos Deputados é
favorável. E isto muito em função de algumas figuras políticas
importantes que a presidiram desde a sua fundação, em maio de 1826 até
os dias atuais onde, numa amostragem ligeira e bem apurada, podem ser
destacados os nomes do pernambucano Pedro de Araújo Lima, marquês de
Olinda (1827-1828), do baiano José da Costa Carvalho, marquês de Monte
Alegre (1828, 1830-1831) ou do mineiro Martim Francisco Ribeiro de
Andrada (1831), mais antigos, além de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
(1933/37), Nereu de Oliveira Ramos (1951/55) ou o gaúcho José Antônio
Flores da Cunha (1955/56). No destaque maior, o grande presidente da
Casa foi o advogado paulista Ulysses Guimarães, que a dirigiu por dois
períodos (1956/58 e 1985/89) e se tornou um símbolo dessa instituição
representativa brasileira.
Certo é que, após o término do último mandato do “Dr. Ulysses”, como
era carinhosamente conhecido o deputado paulista que cumpriu 11 mandatos
ininterruptos, nenhum dos presidentes que se seguiram ultrapassou o seu
carisma e prestígio político. Contudo, vinte e seis anos depois, eis
que desponta nos horizontes do Planalto Central um presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, embora não se equipare nem à
sombra de Ulysses Guimarães, vem causado alvoroços e inquietações no
mundo político, a começar pela atual inquilina do Palácio da Alvorada, a
presidente Dilma Rousseff, com quem ruidosamente rompera politicamente.
O deputado Eduardo Cunha segue fielmente aquele preceito cultivado
por alguns famosos da política e do mundo artístico e imortalizado na
canção homônima de Ataulfo Alves: “falem mal, mas, falem de mim”. E não
apenas isto: tem arranjado arengas com meio mundo a partir da imposição,
como pauta da Câmara dos Deputados, de uma agenda substancialmente
conservadora como há muito não se via. Uma agenda de retrocessos de toda
ordem. Demonstrando um enorme senso de oportunismo e até de esperteza
política, Cunha trouxe à luz temas polêmicos como a redução da
maioridade penal, a financiamento privado de partidos políticos e
campanhas eleitorais, o fim do exame da OAB e o controle dessa entidade
pelo Tribunal de contas da União etc. Quase todas as polêmicas
parlamentares que o envolvem, denotam a ânsia que tem cunha de se
transformar na grande liderança conservadora do momento, em contrafação
direta aos petistas Lula e Dilma.
Cunha cisma e tira fogo nas calçadas de Brasília a riscos de
faca-peixeira. Para extravasar a medida do razoável, está sob acusação,
na “Operação Lava-Jato” de ter peitado empreiteiro da Petrobrás por uma
propinazinha de 5 milhões de dólares… Indignado com a “injustiça” tem
distribuído sopapos verbais a torto e a direito, como se dizia
antigamente. E se não for parado pela pena corrosiva do juiz Moro,
causará muitas tribulações e desassossegos, ainda, o evangélico e
conservador Eduardo Cunha. A conferir.
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