Medo do futuro freia atividade. Desemprego, inflação e crise política deprimem o brasileiro
POR ELVIRO REBOUÇAS
Nesta semana que hoje terminamos assustaram, mais ainda, as notícias de decréscimo de 1,8% no PIB DE 2015, inflação chegando na ribanceira dos 9 % anualizada de janeiro a dezembro, elevação dos juros da SELIC, pelo Banco Central, para 13,75%, o desemprego se espraiando do Sul do Norte, do Sudeste ao Centro Oeste, com consequências trágicas para o nosso seco e pobre Nordeste. Sinceramente, as coisas estão vindo todas ruins. O Congresso Nacional, em virtude do feriado de Corpus Christi, não funcionou praticamente, aliviando as permanentes tensões entre o Parlamento e o Executivo, este guiado momentaneamente por um triunvirato com Dona Dilma Rousseff na cabeça, mas sempre orientada pelo Ministro Joaquim Levy e o pelo Vice-Presidente Michel Temer. Desde a primeira metade do século XX, os economistas trabalham para incluir em seus cálculos um sentimento, não uma variável econômica: a confiança, traduzida em expectativas para o futuro. Há listas de agraciados com prêmio Nobel que estudaram a melhor maneira de medir o medo ou a confiança no futuro. O Brasil passa por um momento difícil nesse quesito. O pessimismo se instalou em todos os agentes econômicos, do consumidor ao empresário, do investidor a quem pretendia assumir dívidas. Empresários e analistas citam o resgate da confiança como condição imprescindível para que o país volte a crescer, principalmente depois que o IBGE anunciou na última sexta-feira que o PIB do país caiu 1,6% no primeiro trimestre frente ao início do ano passado, com as empresas investindo menos e as famílias cortando gastos. — As expectativas jogam um papel muito importante. As pessoas projetam as ideias que têm do futuro nas tomadas de investimento e de consumo de hoje. As firmas fazem expansões, acreditando no crescimento da economia e da demanda. Se o futuro é melhor, consome-se mais hoje. As expectativas estão cada vez mais incorporadas aos modelos econômicos — afirma o economista Aloisio Araújo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esse componente intangível, abstrato da economia, quando está em queda, deprime o indivíduo. Espera-se a tempestade passar para voltar a consumir e planejar o futuro. A enxurrada de números econômicos ruins vem abatendo o humor do brasileiro. A recessão chegou, mais 384 mil trabalhadores ficaram desempregados de um ano para cá somente nas grandes metrópoles, houve corte de cem mil vagas com carteira assinada somente em abril, o salário caiu 2,9% no mesmo período e a indústria está em queda livre desde 2010, produzindo menos que há sete anos atrás. — Em crise, a sociedade paralisa. Comportamentos irracionais também aparecem. Alguns poucos conseguem avançar. O futuro é tão incerto que parece mais uma ameaça — afirma o sociólogo Elimar Nascimento, professor associado da UnB.
EUFORIA VIRA DEPRESSÃO
Quando é possível medir esse sentimento, constata-se que a confiança está no buraco. Na indústria, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas, está no menor patamar desde 1998, ano de crise cambial, que forçou a mudança do regime cambial de bandas para dólar flutuante no ano seguinte. A desconfiança com o Brasil estava tão grande naquela época que o dólar subiu 53,2% em um ano, com a fuga de investidores. Entre os consumidores, a sondagem feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que o medo do futuro chegou ao maior patamar desde 1999. — As sondagens anteriores mostravam que o consumidor acreditava que o desemprego ia aumentar, mas que ele não perderia o emprego. Agora, caiu a ficha: o medo do próprio desemprego ou de alguém da família deu um salto, com as notícias das demissões — afirma Renato Fonseca, gerente executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI. As pesquisas de confiança mostram que 42% dos entrevistados avaliam que ficará mais difícil conseguir emprego nos próximos seis meses. Somente 15% veem mais facilidade para conseguir uma vaga. — Em termos históricos, esses dados retratam uma situação ruim, de pessimismo — afirma Aloísio Campelo, superintendente adjunto de Ciclos Econômicos da FGV. A queda de braço entre governo e Congresso adiciona mais um ingrediente nesse quadro de desesperança. Empresários e investidores temem que as medidas de ajuste fiscal, como as mudanças no seguro-desemprego, no abono salarial e nas pensões da viúva não sejam concretizadas. Para o trabalhador, o corte de benefícios assusta. As batalhas entre Congresso e Executivo subverteram a lógica de governo e oposição e de direita e esquerda no Brasil. O PSDB votou pelo fim do fator previdenciário, que dificulta a aposentadoria, criação sua. O PT votou contra o governo, e alguns parlamentares do partido pediram a cabeça de Joaquim Levy, o ministro da Fazenda. — O ex-presidente da República José Linhares dizia: não contrate alguém que não possa demitir. Essa é a situação de Dilma hoje. Mesmo com a tensão que a presença de Levy tem provocado, Dilma não pode prescindir dele hoje e nem tão cedo. E o cientista político da UFF Eurico Figueiredo cita um ditado popular para ilustrar a situação: — Em casa que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão. Crescimento negativo, inflação renitente são fatores que alteram o humor inclusive dos que votaram na presidente Dilma. Não é algo apenas do Brasil. Isso ocorreu em muitos países europeus e ocorre até hoje. Figueiredo não teme crise institucional. Trinta anos de democracia fortaleceram o sistema: — Temos uma democracia amadurecida o suficiente para enfrentar essa crise dentro das regras democráticas e prevalece o direito republicano.
DE ‘EU POSSO COMPRAR’ PARA ‘EU DEVO’
A economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, vê na política a maior desconfiança dos empresários lá fora. — A dificuldade não é na área econômica. Os empresários estão cientes de que este ano seria difícil, de recessão, com a inflação subindo. O problema deles não é esse. A opinião unânime é favorável, acreditando que estamos no caminho certo. O empecilho é que a incerteza política está muito aguçada no Brasil. Há muito tempo não se via um ambiente de incerteza tão acentuada. A antropóloga do consumo Hilaine Accoub lembra que a confiança é, ao mesmo tempo, um sentimento e um valor social. Um aval que não depende apenas de critérios econômicos. Quando essa confiança se perde, como está acontecendo atualmente no país, “a sociedade fica com medo”: — Tem medo do futuro, do risco da violência, de comprar, de investir, influenciado pelo sentimento dessa falta de confiança. O cidadão que viveu uma euforia do consumo, do “eu posso comprar”, agora vive o “eu devo”. Quer quitar dívidas. Acabou a festa do consumo. Caiu a ficha. A falta de confiança tira a coragem, a ousadia, diz Hilaine: — A desconfiança é como uma osteoporose, vai eliminando a força do indivíduo. Mas nada dura para sempre, lembra o psicólogo Alberto Goldin. “Se o Brasil fosse um paciente, eu receitaria antidepressivo e muita ginástica. O país está desconfiado. Acha que tudo vai dar errado, que não vai ter sorte”. Assim como os ciclos econômicos, a depressão, a desconfiança também volta a dar lugar à euforia. — Sobretudo no Brasil, as pessoas são ciclotímicas. Quando está bem, tudo vai ser maravilhoso. Quando vai mal, não quer sair, não quer namorar, comprar roupa, quer desistir de tudo. A única felicidade dos ciclos é que eles são cíclicos.
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