Getúlio Vargas e Carlos Lacerda Fizeram A História
Dois dos maiores personagens da história democrática do Brasil, desde da proclamação da república, em 15 de novembro de 1889, foram o gaúcho intrépido , populista e estrategista Getúlio Dornelles Vargas(PTB), nascido em São Borja,em 19 de abril de 1882, ancestrais políticos por ambas as famílias, e Carlos Frederico Werneck de Lacerda(UDN), de acendrado espírito público, tribuno insuperável, com inteligência e verve embriagadores, ladino jornalista e articulador, natural do Rio de Janeiro,em 30 de abril de 1914 (fez agora um século do seu nascimento), mas registrado em Vassouras,terra de sua ascendência lustrada nas letras, nas pugnas eleitorais fluminenses e na magistratura. O primeiro chegando por mais de uma vez à Presidência da República. O segundo, brilhante Deputado Federal e Governador do então estado da Guanabara, os dois se inscreveram definitivamente na história do Brasil, em agosto de 1954, portanto há exatos sessenta anos, que passam quase desapercebidos dos brasileiros, que hoje estão mais preocupados com a falta de espírito público dos que perseguem influência administrativa nas esferas federal, estadual e municipal, ou seja estão obrigados a exercer cidadania, com uma taxa de crescimento econômico próximo a zero, uma inflação que volta a saltitar a quase 6,5% ao ano, uma inclemente seca no Sudeste, Centro-Oeste e no Nordeste, causando pânico, pela falta d’água, à população, além do sucateamento à nossa industrialização. Era noite, do dia 05 de agosto de 1954, quando, escoltado por oficiais da aeronáutica que já lhe mostravam solidariedade, (a arma ameaçava se sublevar contra o moribundo governo Vargas), Lacerda, líder admirado e aplaudido pelo povo, da oposição na Câmara Federal, no Rio de Janeiro, era ferido à bala, no famoso atentado da rua Tonelero nº180, em Copacabana ,frente à sua residência, em triste episódio no qual, por erro de um dos projétis, perdeu a vida o Major Rubens Florentino Vaz, com um tiro alojado no seu coração, desencadeando uma série de acontecimentos, e se chegando logo à conclusão de que, mesmo sem o conhecimento pessoal do Presidente Getúlio, o atentado havia sido urdido nos porões do Palácio do Catete, com participação de um membro da família Vargas, e sob a operacionalização do anjo negro Gregório Fortunato, gaúcho e comandante da guarda pessoal do chefe da nação, inclusive com incontinenti prisão dos atiradores que confessaram a nefasta tratativa. Daí em diante foi só rastilho e muita pólvora. Lacerda escapou, denunciou à nação os responsáveis, com amplo apoio de quase toda a imprensa, ele que era dono do jornal Tribuna da Imprensa,com grande circulação no Rio de Janeiro, fazendo com que os militares (exército, marinha e aeronáutica) –atingidos pela morte do Major Vaz – pressionassem pela renúncia imediata ou afastamento , por licença, do presidente, com a imediata posse do seu vice, exatamente o nosso conterrâneo potiguar João Café Filho, natalense, eleito com Vargas, mas já distanciado deste. Instalou-se a República do Galeão, para onde foram levados à força, para serem inquiridos, sobre o atentado, pessoas próximas e familiares do presidente. O clima era devastador contra Vargas, a ponto de oficiais generais, no dia 22 de agosto, terem assinado uma declaração exigindo sua renúncia, nos seguintes termos “Os abaixo-assinados, oficiais generais do Exército…solidarizando com o pensamento dos camaradas da Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar, como melhor caminho para tranqüilizar o povo e manter unidas as forças armadas, a renúncia do atual presidente da República, processando sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais”. O então Ministro da Guerra, nomeado por Getúlio, mas atônito diante dos desdobramentos que vinham acontecendo, o general Zenóbio da Costa, numa dramática e última reunião ministerial que se encerrou pouco antes das cinco horas da madrugada do fatídico dia 24 de agosto de 1954, e à qual estavam presentes nomes condestáveis da república, como Oswaldo Aranha, Tancredo de Almeida Neves, Vasco Leitão da Cunha, José Américo de Almeida , Octávio Gouveia de Bulhões e Mário Pinotti, tentou obter o assentimento para a licença de Vargas, tendo o caudilho, inflexível, respondido duramente à ultima colocação do seu militar: “Ministro, daqui só me tirarão morto”.
O SUÍCIDIO -
No dia dedicado a São Bartolomeu, pouco depois das oito horas da manhã, nos aposentos residenciais do segundo andar do Palácio do Catete, foi ouvido o último tiro de toda a sinistra trama – Getúlio fora buscar fora de léxico o argumento para deixar a crise – e acionara o gatilho de seu revolver contra o próprio peito esquerdo, deixando ensangüentados o estigmatizado pijama listrado que vestia,com as iniciais GV, o seu corpo inerte e, como um todo, a cena político-governamental do país, com o povo voltando às ruas, agora não mais para pressionar pela renúncia, mas para prantear o presidente morto. Gegê não dormira, já o dia claro , antes de se deitar para cometer o gesto extremo,acomodou os braços na escrivaninha que mantinha no quarto e, de próprio punho, deixou a tão famosa carta-testamento: “Deixo à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa. Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo, de quem fui escravo, e de quem jamais será escravo de ninguém, virá mais tarde…”. Vargas, mesmo no seu instante derradeiro de calvário, foi profético.
O TEMPO PASSOU
Vargas e Lacerda deixaram os seus legados. O primeiro com a instituição, à época, de muito modernas leis trabalhistas e previdenciárias ainda vigorantes, sempre favoráveis aos trabalhadores, instituiu o salário mínimo no Brasil, criou a CLT, abriu a Companhia Siderúrgica Nacional e a CHESF, tomou excelentes medidas infra-estruturantes, a criação da Petrobrás,a ampliação dos portos, dentre outros. Lacerda, o mais brilhante Deputado Federal do nosso país, governou com rara honestidade a Guanabara, com uma obra admirada, diminuindo a favelização,construiu dezenas de conjuntos habitacionais para os de baixa renda, esquadrinhou a paisagem urbanística moderna da cidade do Rio de Janeiro, dando-lhe o papel futurista até os dias de hoje, arrojado nas suas destemidas convicções liberais, com zelo pela democracia, comandou, no campo civil, o encaminhamento de deposição de Jango em 1964, se decepcionando rápido com a revolução militar que havia se aboletado no poder. Teve, injustamente, os direitos políticos suspensos, voltou a conviver no exílio com os seus grandes inimigos do passado, Juscelino e João Goulart, tentando promover a “frente ampla” que restabeleceria a democracia no Brasil. O corvo, como lhe apelidaram os adversários, faleceu de infarto cardíaco fulminante em 21 de maio de 1977, no Rio de Janeiro. JK e JG, respectivamente, em acidente automobilístico em Rezende-RJ, ainda hoje pouco esclarecido, e Jango, de sofrimento e muita tristeza pela ausência do Brasil, também de angina coronariano, ainda exilado em Mercedes, no Uruguai. Getúlio Vargas e Carlos Lacerda, dois nomes, adversários ferrenhos, dois grandes brasileiros. Hoje, já distanciados da passionalidade da época, mas com a tecibilidade da nossa história, sessenta anos depois.Dois homens verdadeiros, cada um a sua maneira,até por via transversa, ambos com entusiasmo pelo Brasil e pelo povo brasileiro. Os políticos de hoje, salvo raras exceções, já não são mais os mesmos. E, com sua licença meu caro leitor, é tempo de sentirmos saudade de Deodoro da Fonsêca, Floriano Peixoto, Rui Barbosa, Benjamim Constant, Juscelino, Tancredo Neves, Hermes Lima, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, Oswaldo Aranha, Miguel Couto Filho, Prado Kelly, Juraci Magalhães,Eduardo Gomes,Juarez Távora, dos grandes potiguares Aluízio Alves, Seabra Fagundes e Café Filho. Hoje, infelizmente, os tempos e os pensamentos são, geralmente, outros não tão úteis à cidadania.

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