Depois de um dia inteiro de reuniões, idas e vindas, e tentativas
malsucedidas de costura de um acordo com o Palácio do Planalto, a
Câmara, sob o comando do PMDB, aprovou em primeiro turno nesta
terça-feira (13) a proposta que torna obrigação constitucional a
execução de obras e investimentos indicados ao Orçamento por deputados
federais e senadores.
Com 378 votos a favor, 48 contra e 13 abstenções, a votação foi uma
derrota do Planalto. O revés poderá ser agravado, ainda na noite desta
terça, com a eventual supressão de uma expressão no texto que, na
prática, ampliará ainda mais a possibilidade de emendas a serem
executadas impositivamente pelo Executivo. No texto levado ao plenário, a
obrigatoriedade de execução de emendas ficaria circunscrita àquelas que
se adequassem a programas considerados prioritários pelo Planalto. Com a
mudança, cairia essa restrição.
O Planalto, no entanto, confia que, independentemente do formato do
texto aprovado nesta terça, conseguirá uma redação mais palatável
política e economicamente no Senado. Por ser uma PEC (Proposta de Emenda
à Constituição), o projeto precisa passar por duas votações na Câmara e
outras duas votações no Senado.
A votação desta terça foi apenas a primeira na Câmara. A próxima deverá
acontecer no fim do mês, para só depois seguir para a apreciação dos
senadores, que terão liberdade para alterar todo o texto, caso entendam
conveniente. Caso haja qualquer modificação, ele ainda terá de retornar,
posteriormente, para ser ratificado na Câmara.
ACORDO FRACASSADO
O acordo que vinha sendo costurado essencialmente entre o PMDB, o PT e o
Planalto envolvia quebra das regras internas da Câmara dos Deputados.
Essa manobras, antirregimentais, poderiam posteriormente ser contestadas
na Justiça, com chance quase certa de anulação da decisão.
Portanto, a estratégia precisaria de um apoio claro do governo --o que
acabou não acontecendo. Também pesou o receio de que qualquer entidade
da sociedade civil judicializasse a decisão, ainda que com o aval
político do Planalto à decisão.
O fator que mais emperrou esse acordo foi o percentual de emendas
parlamentares para a saúde. Mais cedo, a liderança do PT na Câmara
admitiu aceitar a proposta mais próxima do consenso obtida ao longo do
dia: 33% dos recursos de emendas parlamentares deveriam ser destinados a
investimentos na saúde pública. O governo, no entanto, foi até o fim na
intenção de que a fatia para a saúde representasse 50%.
"Abaixo disso não tem acordo", disse o líder do governo na Câmara,
Arlindo Chinaglia (PT-SP), antes de entrar para a última reunião do dia,
no gabinete da presidência da Câmara, já por volta das 20h.
Mesmo essa alternativa já era uma postura, por parte do Palácio do
Planalto, que partia da avaliação de que a aprovação das emendas
impositivas era certa. Portanto, a estratégia foi uma espécie de
tentativa de redução de danos.
Pouco antes das 21h, ainda chegaram ao gabinete de Henrique Eduardo
Alves, para reforçar o lobby do Planalto e a ausência de garantia de que
a votação não seria judicializada, os ministros Ideli Salvatti
(Relações Institucionais) e Alexandre Padilha (Saúde).
"A negociação poderia ter sido feita no seu tempo devido, e não foi",
disse, já no plenário, o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). "Poderia [o
governo], no âmbito da comissão especial, onde estava representado, ter
apresentado emendas destinando recursos para a saúde, mas não fez."
Cunha, no entanto, afirmou "ter certeza quase absoluta" de que a
bancada peemedebista na Câmara apoiará eventuais modificações feitas
pelo Senado no ponto relativo aos percentuais de destinação de emendas
para a saúde.
Diante da insegurança jurídica de votação de um texto diferente daquele
aprovado semana passada na comissão especial criada para analisar a
PEC, os partidos aliados decidiram votar o texto original - que passa
ainda mais longe, muito longe, do formato considerado razoável pelo
governo.
Não há, por exemplo, referência a qualquer percentual para a saúde.
Também não deixa margem de manobra para o governo, a partir do terceiro
ano de vigência, usar na conta da execução obrigatória os recursos
relativos aos chamados "restos a pagar", ou seja, fazer pagamentos
relativos a emendas apresentadas em anos anteriores.
O QUE MUDA
As emendas parlamentares são um dos pontos mais sensíveis na relação
entre o Congresso e o Executivo. A liberação das verbas é usada como
moeda de troca, pelos dois lados, especialmente em meio a votações de
projetos estratégicos.
Pela legislação atual, cada parlamentar pode apresentar, anualmente,
até R$ 15 milhões como complemento ao Orçamento da União. Contudo, não
há obrigação legal de execução dessas verbas adicionais apresentadas por
deputados e senadores. Pelo contrário, elas costumam ser o alvo
preferencial da equipe econômica do governo quando há necessidade de
cortes no Orçamento ao longo do ano.
O texto aprovado na comissão especial, e que seria votado hoje em
plenário, estabelece que o governo fica obrigado a executar as emendas,
isonomicamente entre os parlamentares (portanto, sem privilegiar este ou
aquele partido), até o limite de 1% da receita corrente líquida
verificada no ano anterior.
Em 2012, a receita corrente líquida da União foi de R$ 617 bilhões. Ou
seja, hoje o governo seria obrigado a executar R$ 6,2 bilhões em emendas
individuais, praticamente o mesmo valor que o Planalto decidiu liberar
este ano para conter a insatisfação da base. No rateio igualitário entre
os parlamentares, isso representaria R$ 10,4 milhões para cada deputado
e senador.
*Da Folha Online
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