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Pelo menos 40 linhagens diferentes do Sars-CoV-2, o novo coronavírus causador da covid-19, já foram identificadas no Brasil desde março. Duas delas, a B.1.1.28 e a B.1.1.33, são predominantes nas infecções pela doença no País. As informações são do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que participa diretamente da vigilância epidemiológica do novo coronavírus no País.

Referência em covid-19 para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o órgão faz o sequenciamento genético do genoma viral. O trabalho permite determinar as rotas de circulação do patógeno em território nacional e identificar mutações. Em entrevista ao Estadão, a pesquisadora Paola Cristiana Resende descreveu como é feito o monitoramento – fundamental para vencer a epidemia. “Não é momento para pânico. É tempo de prevenção”, diz ela.

Como é feito o acompanhamento diário das diferentes linhagens dos vírus que circulam no Brasil?

O Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) tem expertise de décadas na vigilância epidemiológica e laboratorial dos vírus influenza, causadores da gripe. Eles circulam em todo o mundo e sofrem mutações frequentes. Essa vigilância é fundamental para a formulação da vacina, que tem periodicidade anual, e para a captação de cepas virais de potencial pandêmico. Esse trabalho é conduzido pela Rede Laboratorial de Vigilância de Influenza do Ministério da Saúde, da qual o nosso laboratório faz parte. Agora, com a pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), essa rede também está liderando trabalhos de monitoramento deste patógeno, por também se tratar de um vírus respiratório. O laboratório é a referência nacional para o Ministério da Saúde e internacional em covid-19 para a  Organização Mundial de Saúde nas Américas. Após o treinamento de dezenas de laboratórios públicos nacionais e internacionais no início da pandemia para a realização de diagnóstico, temos atuado, principalmente, em amostras consideradas prioritárias para testes, como confirmação de óbitos e casos de reinfecção. Também nos empenhamos nas análises filogenéticas e filogeográficas do Sars-CoV-2 para traçarmos, por meio do sequenciamento do genoma viral, as rotas de circulação do vírus e identificarmos possíveis mutações. Além disso, estamos em uma constante troca de experiências e discussões com pesquisadores brasileiros e estrangeiros sobre metodologias para diagnóstico laboratorial e identificação das linhagens circulantes.

Quantas variantes do Sars-CoV-2 já foram registradas no Brasil?

De onde elas vêm? De acordo com as informações disponíveis na plataforma internacional de dados genômicos Gisaid, cuja equipe de curadoria integramos, já foram identificadas cerca de 40 linhagens do Sars-CoV-2 no Brasil, provenientes de diversas partes do mundo, em especial da Europa. Porém apenas duas predominam em circulação, a B.1.1.28 e B.1.1.33.

Vocês conseguiram constatar alguma característica específica desses subtipos já detectados no Brasil? 

Com base nos 1.768 genomas brasileiros sequenciados e disponibilizados na base de dados EpiCov, da iniciativa Gisaid, podemos verificar que essas duas linhagens principais predominam no Brasil e são específicas daqui, encontradas em baixíssima frequência em outros países. Elas circulam desde março e estão por todo o território nacional. E, é claro, estão evoluindo, ganhando novas mutações, pois é esperado que um vírus com um genoma de RNA evolua de forma rápida. Assim, novas sublinhagens podem ser detectadas ou evidenciadas. Entretanto, é extremamente importante ressaltar que uma nova mutação não significa estritamente uma mudança nas características do vírus. Investigações e análises complementares que vão além do genoma precisam ser feitas para afirmar isso. Adicionalmente, ao longo do ano, detectamos também outras linhagens em diferentes Estados, muitas associadas a casos de viajantes retornando de outros países e que circularam em menor proporção internamente. Entretanto, estas linhagens estão mais associadas a uma circulação local em determinados Estados e não representam um expressivo número para lançarmos alguma hipótese sobre elas.

O governo britânico disse que a versão do Sars-CoV-2 mais infecciosa que está circulando no Reino Unido teria surgido no Brasil, em abril. Vocês conseguiram confirmar essa informação? Essa variante também se revelou mais transmissível quando circulou por aqui? 

A mutação N501Y foi identificada de forma pontual em nosso País. Entretanto, não estava associada à linhagem B.1.1.7, que circula na Europa. Esta mutação já foi encontrada independentemente em diferentes linhagens. Após análises dos dados genômicos disponíveis em banco de dados internacionais, concluímos que a amostra de Pernambuco que apresentou essa mutação pertence à linhagem B.1 que não apresenta relação com os dados em circulação na Europa, África ou Oceania. Ou seja, a mutação observada no Brasil não é a mesma encontrada na Inglaterra.

Qual a chance de uma mutação ao acaso tornar o vírus mais letal?

Os vírus sofrem mutações constantemente. Assim como uma eficiente rede de laboratórios acompanha a evolução e dispersão do vírus influenza, o mesmo será feito para o novo coronavírus. Acompanharemos em tempo real a possibilidade do vírus se tornar mais transmissível e causar uma infecção mais grave ao organismo humano. Até o momento, os dados não mostram que o vírus tenha ficado mais transmissível ou que possa causar uma doença mais severa. Não é momento para pânico. É tempo de prevenção.

Essas mutações podem atrapalhar a eficácia das vacinas?

Até o momento, os dados sugerem que as vacinas em desenvolvimento e as que já estão em aplicação em diversos países terão ótima eficácia contra o Sars-CoV-2 e suas recentes variações, uma vez que, apesar das mutações, as características fenotípicas do vírus parecem não ter sido alteradas. Nenhuma variação que impacte na formulação das vacinas foi detectada.

Estadão



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