Cacim

Print

Empresas se beneficiavam com isenção fiscal e superfaturamento.
Mais de 250 projetos foram identificados com indícios de fraudes.

A Polícia Federal afirmou nesta terça-feira (28) que o Ministério da Cultura falhou na fiscalização da Lei Rouanet. Catorze pessoas foram presas durante a Operação Boca Livre que desarticulou grupo que atuava no Minc desde 1991 e conseguiu aprovação de R$ 180 milhões em projetos fraudulentos com recursos da lei.
"O fato é que houve, a investigação demonstrou que houve no mínimo uma falha de fiscalização no Ministério da Cultura uma vez que o grupo investigado ainda que tenha sido detectado eventuais falhas de projetos, ele continuou contratando, obtendo a aprovação de projetos junto ao Minc", afirmou o delegado Rodrigo.
Questionado se houve uma falha no Ministério da Cultura, ele recuou. "Eu não posso nesse momento fazer esse tipo de acusação. A investigação é que vai determinar isso agora".
Segundo o MInistério Público Federal, as empresas patrocinadoras de eventos realizados com verbas da Lei Rouanet “ganhavam duplamente” no esquema de desvio de recursos federais em projetos culturais com benefícios de isenção fiscal.
Segundo as investigações da Operação Boca Livre, um grupo criminoso atuou desde 2001 no Ministério da Cultura e conseguiu aprovação de R$ 180 milhões em projetos fraudulentos. Boca Livre é uma expressão que significa festa onde se come e bebe de graça às custas de outras pessoas.
“A verdade é que todos os projetos eram captados por parte desse grupo, que inclusive apresenta traços bastante assemelhados a uma organização criminosa. Vários desses projetos eram captados ou a sua maioria com superfaturamentos. E a diferença desses valores, desse superfaturamento, eram revertidos em valores do próprio grupo e para aqueles patrocinadores que se utilizam desses valores para sua autopromoção como empresas”, afirmou a procuradora Karen Kahn.
Entenda como funciona a Lei Rouanet (Foto: Editoria de Arte/G1)
De acordo com ela, as empresas financiadoras dos eventos e projetos culturais também recebiam dinheiro do grupo investigado. “A questão é que elas [empresas] ganhavam duplamente porque na medida em que elas já eram beneficiadas com as deduções de imposto de renda. Além disso, existia essa contrapartida que é como uma condição para que elas patrocinassem os projetos, então era um toma lá dá cá. Era uma forma delas aumentarem os seus lucros aproveitando esse superfaturamento que acabava sendo revertido em seu próprio proveito”, afirmou. Mais de dez empresas foram investigadas.
Segundo Roberto Viegas, chefe da Procuradoria Geral da União no estado de São Paulo, o grupo formado por produtores culturais chegava a dar uma contrapartida financeira de 30% do contrato para que as empresas aceitassem dar o patrocínio.
“Existem casos de pagamento do proponente para a patrocinadora de propina. Alguns desses casos foram detectados. Quando o proponente buscava esse patrocínio além de negociar contrapartida com livros ou com eventos também havia um percentual daquele recurso que seria captado para ser repassado em um outro momento à patrocinadora em torno de 30%”, disse Viegas.
O desvio ocorria por meio de diversas fraudes, como superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos duplicados e contrapartidas ilícitas realizadas às incentivadoras.
Por enquanto, as investigações não identificaram a participação de funcionários do Ministério da Cultura.

Prisões
Os 14 presos, que já estão na sede da PF de São Paulo, são pessoas ligadas na difusão de eventos culturais. Ainda não há indícios da participação de artistas no esquema.

Os donos da produtora Bellini Cultural e o produtor cultural Fábio Ralston estão entre os presos. O grupo atuava principalmente em São Paulo. O G1 não conseguiu contato com o produtor.
“Quem captava dinheiro era esse grupo criminoso que com supostas facilitações no âmbito do Ministério da Cultura que não só propiciava as condições ideais para aprovação desses projetos forjados como também exerciam uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que objetos plagiados não fossem identificados como tais”, afirmou a procuradora Karen Kahn.

Esquema
Segundo o delegado da PF, Rodrigo de Campos Costa, existiu fraude na modalidade isenção fiscal.

O grupo investigado apresentava projetos no Ministério da Cultura para captação de recursos na iniciativa privada. Após aprovação do projeto pelo Minc, o grupo procurava grandes empresas atrás de patrocínio.
“Na medida que ele [grupo] procurava à iniciativa privada eles tinham que fazer eventos relacionados a cultura. E o que a gente percebeu segundo as provas produzidas durante a investigação é que o objetivo da lei em momento algum foi atingido. Nós percebemos a realização de eventos privados, eventos fechados e sem cunho nenhum da divulgação e propagação da própria cultura conforme previsto na Constituição Federal”, declarou.
A Polícia Federal concluiu que diversos projetos de teatro itinerante voltados para crianças e adolescentes carentes deixaram de ser executados, assim como livros deixaram de ser doados a escolas e bibliotecas públicas. Os suspeitos usaram o dinheiro público para fazer shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até a festa de casamento de um dos investigados na Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, Santa Catarina.
“Existem casos que nem houve reversão do evento para quem deveria, foi completamente revertido para festas e eventos privados. Há casos de livros institucionais que foram produzidos com duas capas, uma da empresa patrocinadora e outra para a prestação de contas”, contou Roberto Veigas. Segundo ele, mais de 250 projetos apresentaram irregularidades.
Festas particulares
A Polícia Federal concluiu que diversos projetos de teatro itinerante voltados para crianças e adolescentes carentes deixaram de ser executados, assim como livros deixaram de ser doados a escolas e bibliotecas públicas.

Os suspeitos usaram o dinheiro público para fazer shows com artistas famosos em festas privadas para grande empresas, livros institucionais e até a festa de casamento de um dos investigados na Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, Santa Catarina. A festa de casamento era de Carolina Monteiro e Felipe Amorim e teve a presença de um cantor sertanejo.
Mandados judiciais
Além das 14 prisões temporárias, 124 policiais federais cumpriram 37 mandados de busca e apreensão, em sete cidades no estado de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília

O inquérito policial foi instaurado em 2014, após a PF receber documentação da Controladoria-Geral da União sobre desvios de recursos relacionados a projetos aprovados com o benefício fiscal.
A Justiça Federal inabilitou algumas pessoas jurídicas para impedi-las de apresentar projetos culturais no MinC e na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Também foi realizado o bloqueio de contas bancárias e o sequestro de bens como imóveis e veículos de luxo.
Entre os alvos da operação, estão o Ministério da Cultura,o escritório Demarest Advogados, a empresas Scania, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, KPMG, Lojas CEM, Nycomed Produtos Farmacêuticos e Cecil.
O que dizem os suspeitos
O escritório Demarest Advogados informou por meio de nota, que o objetivo da visita dos policiais "foi a solicitação de documentos e informações relacionados a empresas de marketing de eventos que prestaram serviços ao escritório no âmbito da Lei Rouanet". "O escritório enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade, e informa que colaborou e continuará a colaborar com a investigação", diz a nota.

A empresa Roldão disse que contratou "a Bellini Eventos Culturais para a realização de dois projetos culturais e que, na manhã desta terça-feira (28), teve que apresentar à Polícia Federal documentação referente a esses serviços".
"A empresa informa que não é alvo da operação e que já entregou à força-tarefa todos os documentos solicitados. Por fim, reforça que está colaborando com a investigação, à disposição de todas as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos e que não admite qualquer tipo de irregularidade ou ilegalidade em suas atuações", diz a nota.
A Scania informou que tomou conhecimento pela manhã da operação Boca Livre e "que está colaborando integralmente com a investigação e à disposição das autoridades".
A KPMG no Brasil disse que não é objeto de investigação. "O fato da PF comparecer ao nosso escritório se deu pelo cumprimento de diligência para coletar documentos referentes a contratos com empresas de publicidade e propaganda (alvos da investigação) e que prestaram serviços para a KPMG no apoio a projetos culturais", diz nota.
"A KPMG, certa de que não cometeu qualquer ato ilícito, está e continuará a contribuir com as autoridades de maneira transparente para o fornecimento das informações necessárias".
A empresa Lojas CEM afirmou que "deu todo o apoio ao bom andamento da diligência e comprometeu-se a prestar toda a colaboração necessária para o esclarecimento dos fatos. Informamos que os projetos culturais nos quais investimos foram feitos, de nossa parte, dentro da mais absoluta regularidade. Como sempre, a postura da Lojas CEM com todas as pessoas e instituições com as quais se relaciona é de total transparência e completa lisura."
As demais empresas foram procuradas nesta manhã pelo G1, mas até a última atualização desta reportagem não haviam comentado.
Entenda a lei
A Lei Rouanet foi criada em 1991, durante o governo Fernando Collor (PTC/AL). A legislação permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de incentivos fiscais para as empresas e pessoas físicas. A Lei Rouanet permite, por exemplo, que uma empresa destine parte do dinheiro que iria gastar com impostos para financiar propostas aprovadas pelo Ministério da Cultura.

Até abril deste ano, cerca de 100 mil projetos obtiveram autorização para captar via Lei Rouanet, ou 83% dos que foram apresentados, segundo o Ministério da Cultura. Desses, 47 mil fizeram captação efetivamente, totalizando quase R$ 15 bilhões investidos."
Laboratório
Segundo a PF, a Operação Boca Livre foi a primeira a utilizar o Laboratório de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro de São Paulo, que cruza milhares de dados e informações. O laboratório será utilizado também na análise do material apreendido pela Polícia Federal.

*G1

Policiais federais com malotes apreendidos na Operação Boca Livre (Foto: Reprodução/TV Globo)
Policiais federais com malotes apreendidos na Operação Boca Livre (Foto: Reprodução/TV Globo
)


Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem

Oculum