Assim, a presidente transforma procuradores, policiais federais e integrantes do Judiciário em torturadores
POR JOSIAS DE SOUZA
A Presidência da República oferece aos seus ocupantes uma tribuna vitaminada. Algo que Theodore Roosevelt chamou de bully pulpit
(púlpito formidável). Nos últimos dias, Dilma Rousseff vem
desperdiçando a atenção de câmeras e microfones com saudações à mandioca
e menções às mulheres sapiens.
Nesta segunda-feira, já habituada a falar duas vezes antes de pensar, a presidente exagerou. Numa entrevista concedida em Nova York, comparou os delatores premiados da Lava Jato aos dedos-duros da época da ditadura.
A pretexto de desqualificar empreiteiro Ricardo Pessoa, que disse ter
repassado à sua campanha presidencial R$ 7,5 milhões em verbas roubadas
da Petrobras, Dilma disse: “Eu não respeito delator, até porque estive
presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar numa
delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas, e garanto para
vocês que resisti bravamente. Até, em alguns momentos, fui mal
interpretada quando disse que, em tortura, a gente tem que resistir,
porque se não você entrega seus presos.”
Dilma comparou abacaxi com jiló. No seu caso, a cadeia era arbitrária
e os métodos de interrogatório eram abomináveis. Apesar de moída na
pancada, Dilma não entregou os companheiros. No caso de Ricardo Pessoa,
tudo segue estritamente o figurino legal. Pilhado comendo com as mãos no
interior dos cofres da Petrobras, o empreiteiro troca o suor do seu
dedo por favores judiciais como a prisão domiciliar e a eventual redução
da pena. Ele não entrega companheiros de luta ideológica. Delata os
cúmplices e os beneficiários dos seus crimes.
Até ontem, Ricardo Pessoa e seus congêneres eram tratados no governo
como pessoas muito respeitáveis. Dilma faz bem em mudar de ideia. A
turma do cartel não merece tanta cortesia. Porém, se não quer respeitar a
lógica, a presidente deveria ter um pingo de consideração pelos agentes
públicos que trabalham para desvendar a roubalheira praticada à sua
volta. A presidente talvez não tenha se dado conta, mas sua comparação
torta acabou transformando procuradores da República, agentes da Polícia
Federal, e membros do Judiciário em torturadores.
Fonte: www.uol.com.br
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