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Por Herval Sampaio Júnior 
Herval Sampaio
Herval Sampaio Júnior é juiz de Direito
O trabalho enfoca o papel do Juiz na busca incessante pela pacificação social, escopo maior da Jurisdição, tutelando os direitos, através da utilização de meios alternativos de solução de conflitos, mais precisamente a conciliação e mediação. Abordam-se as diferenças entre tais institutos, enfatizando a pouca aplicabilidade de ambos, em que pese a expressa previsão legal da conciliação – o que não ocorre com a mediação – principalmente pela autoridade judiciária. Prioriza-se a necessidade de que os Juízes se conscientizem que esses meios são mais eficazes, devendo o Poder Judiciário se estruturar melhor com esse objetivo, criando ambientes que propiciem a solução consensual dos litígios, despindo-se dos dogmas atuais que torneiam o tema.
1. Delimitação do tema e considerações iniciais sobre a atividade judicial com vista à obtenção da pacificação social
A jurisdição hodiernamente vem sofrendo profunda alteração na sua compreensão e, por conseguinte, condicionando os seus resultados, principalmente o atinente a tentativa de obter a almejada pacificação social e para tanto suas premissas estão sendo repensadas, já que esta, pelo menos através da sentença, só poderia ser satisfeita, evidentemente, para somente a parte vencedora, por uma efetiva tutela dos direitos violados ou ameaçados, na forma do preconizado no artigo 5º inciso XXXV de nossa Carta Magna.
Entretanto, em que pese todo esse esforço para se alcançar uma atividade jurisdicional que se preocupe, em cada caso concreto, com uma substancial proteção dos direitos, talvez, a solução consensual dos conflitos seja um modo mais eficiente, pelo menos, no aspecto de se atingir a uma verdadeira pacificação social, pois em não havendo vencedor e perdedor, as chances de uma continuidade de relação pós-lide são bem maiores e mesmos em casos que não se exige a continuidade do relacionamento, o acordo gera uma sensação de maior satisfatividade e muitas vezes a certeza do cumprimento da obrigação.
É nesse sentido que se prega a necessidade de que o Juiz passe a se preocupar com a pacificação social em todas as suas decisões, ou melhor, esclarecendo, nas suas atitudes dentro do processo, pois como a direção é sua, nada mais lógico de que se conduza sempre com a visão de que não é com a sentença, mesmo de mérito, que aquele conflito, no plano fático, estará materialmente solucionado, já que a idéia de que a sentença põe fim ao litígio é ilusória e até mesmo ao processo, não necessariamente o finaliza consoante recente mudança advinda pela Lei 11.232/05.[1]
Desta forma, a preocupação constante com uma efetiva satisfação social dos contendores deve ser uma busca incessante da autoridade judiciária e a sentença, ao qual infelizmente se encontra falida[2] na consecução desse objetivo, somente deve ser utilizada quando não for possível qualquer forma de negociação em sentido amplo, já que não existe vedação legal nesse tocante, pelo contrário, as legislações atuais prestigiam muito a auto-composição das lides, principalmente a conciliação[3].
A realidade é dura, mas tem que ser encarada por todos aqueles que laboram com o Direito, pois, na maioria das vezes, a sentença não só não resolve o problema específico do litígio, mas ainda cria outros conflitos, que inviabilizam completamente qualquer possibilidade de solução amigável, criando uma ambiente de litigiosidade, que dificilmente vai ser desconstruído, logo, a perspectiva deve ser sempre de paz e harmonia, mesmo entre os que litigam, pois o conflito é ínsito ao ser humano e tem o seu lado bom, na qual o Juiz, como intermediário das partes, deve estimulá-las a reconhecerem e encontrarem a melhor solução ou até mesmo sugerir essas resoluções.
Os Juízes precisam se desprender dessa concepção de que sua tarefa precípua é decidir e que a tentativa de conciliação prevista nos procedimentos é somente uma formalidade. Ora, o processo não pode ser compreendido nunca como um fim em si mesmo, daí porque todas suas previsões têm um objetivo claro e definido, qual seja assegurar que os contendores solucionem a sua pendenga de forma que a pacificação social reste atingida[4]. Essa premissa não vem sendo sentida pelos operários do direito[5], o que pode ser amenizada com a inserção de todos os meios alternativos de solução dos conflitos.
Acrescente-se, ainda, que essa preocupação constante com a pacificação social efetiva, por meio de uma solução consensual, resolve outro problema grande da prestação jurisdicional, qual seja a morosidade infensa a todos os procedimentos e que inquieta sobremaneira à sociedade quanto à atuação judicial, pois o que interessa para alguém que seja reconhecido como titular de um dado direito, é o pronto restabelecimento de forma específica e a Justiça infelizmente não vem conseguindo e muitas vezes em razão da demora da entrega da prestação jurisdicional, esta não é efetiva no sentido de satisfazer pelo menos ao vencedor[6].
Por todos esses motivos, não resta dúvida alguma de que o prestígio a jurisdição consensual não traz nenhum malefício aos desígnios dessa função tão cara a sociedade, devendo, por conseguinte, ser prestigiada em todos os sentidos, como felizmente vislumbrou recentemente o Conselho Nacional de Justiça, ao lançar o dia nacional da conciliação e ao instituir um projeto de estruturação de todo o Poder Judiciário para obtenção de uma solução amigável entre os litigantes judiciais, até mesmo antes de o processo formalmente ser instaurado.[7]
Pensar em uma atividade jurisdicional que não vise obrigatoriamente a pacificação social é tratar essa função pública com descaso, pois todo o agir das autoridades em geral devem aspirar ao bem comum e este só é atingido com uma solução efetivamente satisfatória para ambas as partes, mesmo que uma das partes perca processualmente falando, mas que fique consciente de seus erros.
Destarte, quando se utiliza das formas de auto-composição, as partes chegam a um consenso, ciente destes erros e infelizmente a sentença quase nunca os transmite, substancialmente falando, principalmente por sua linguagem técnica excessiva.
Nessa conjuntura, acredita-se que a Justiça de um modo geral, ou seja, todos aqueles que laboram com o direito e até mesmo os próprios litigantes devem se imiscuir de um espírito de pacificação social, pois não se pode sempre tratar o conflito como algo negativo, sendo imperioso a análise de que, através de um bom diálogo quase sempre se atinge uma boa solução e principalmente a satisfação dos que contendem é cristalina.
1. Refere-se às alterações do artigo 162, 267, 269 e 463 do CPC que não mais ditam que a sentença necessariamente põe fim ao processo, já que este possui a preocupação de obter a satisfação do direito e não mais somente uma sentença que o reconheça. Essas mudanças estão na trilha dessa nova concepção de jurisdição, que se preocupa sempre com a tutela dos direitos no caso concreto. Essa visão já é um significativo avanço e se embebera nos termos da constitucionalização do direito processual, contudo, ainda prima por uma solução decisória que prestigia um vencedor, logo, essa resolução, na maioria das vezes, também não obtém a satisfação social, principalmente quando se envolve conflitos que precisam ter a continuidade do relacionamento, até mesmo negociais.
2. Também comunga desse entendimento o Desembargador Francisco de Assis Filgueira Mendes, ao se pronunciar na apresentação do livro Mediação Familiar, tendo assim se manifestado, ressaltando inclusive a pertinência dos meios alternativos de solução dos conflitos: “Na visão aguçada de Kazuo Watanabe, existe, com efeito, uma “litigiosidade contida”, abrangendo toda a pletora de insastifação do povo, seja pela dificuldade do acesso à Justiça, seja pela demora da Organização Judiciária, no deslinde das demandas que lhe são apresentadas. Ante esse quadro dantesco, de verdadeira falência da máquina estatal, especialmente no que tange à prestação jurisdicional, em boa hora começaram a ser utilizadas soluções do Direito norte-americano, conhecidas como Alternative Dispute Resolution(ADR), quais sejam o Juízo Arbitral, a Conciliação e a Mediação. Lília Maia de Morais Sales e Mônica Carvalho Vasconcelos, Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas, 1ª Edição, Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2006, Apresentação.
2.Já se encontra no Congresso Nacional um projeto de lei sobre a mediação, atualmente no Senado Federal, sob a relatoria de Pedro Simon, na qual se prevê duas formas de mediação, a prévia e a incidental, ou seja, dentro do processo, o que fortifica a tese de que suas técnicas podem normalmente serem utilizadas em todos os processos e procedimentos que prevêem a conciliação, justamente porque não há qualquer incompatibilidade, contudo, infelizmente tal projeto não prevê que as partes necessariamente sentem numa mesa de negociação, como requisito para admissibilidade da ação e consequentemente a espera da sentença, como se esta fosse a “salvadora do mundo”, o que é cediço que os juízes não podem ser tidos como Deuses.
3. “É inquestionável que o principal objetivo da jurisdição, o que lhe faz a essência, é seu caráter de pacificação. Neste sentido, é muito mais salutar que se encontrem fórmulas de consenso, para que a pretensão resistida chegue a bom termo, atingindo-se o ideal de justiça das partes.” Fernando Horta Tavares, Mediação & Conciliação, 1ª Edição, Editora Mandamentos, 2002, pág. 17.
4. Entende-se que esta expressão representa melhor essa nova atividade de efetiva proteção dos direitos e na qual todos os que laboram com o direito não podem continuar sendo mecânicos frios da lei, daí porque o termo operário, sem sombra de dúvida, simboliza uma atuação mais ativa e ao mesmo tempo menos ligada as formalidades que infelizmente ainda dominam o meio jurídico.
5. Em nosso livro Medidas Liminares no Processo Civil: Um novo enfoque, O ministro José Augusto Delgado em seu prefácio atesta para a necessidade inadiável de uma pronta entrega da prestação jurisdicional, bem assim chama a atenção para o fim harmonioso que o processo deve perseguir, consoante pode se vê a seguir: “Os estudiosos do Direito Processual Civil estão convencidos de que técnicas novas devem ser introduzidas na legislação brasileira formal para que sejam atendidas, com eficácia, segurança e efetividade, esse anseio da cidadania. Há de se gerenciar o processo de modo que instrumentos de ação alcancem esse objetivo, sem se afastar do respeito ao princípio democrático informador do devido processo legal. Urge que o Direito Processual Civil consagre, do modo mais evidente e convencedor, o querer constitucional representativo do sentimento da Nação, que é o do Estado Brasileiro tornar vivo e constante o objetivo primordial posto em sua Carta Magna, no seu preâmbulo, que é a entrega da paz com a rápida solução dos conflitos vivenciados pelo cidadão em suas relações comuns e extraordinárias no ambiente social, familiar, financeiro, comercial, industrial e institucional”. José Luiz Carlos de Lima e José Herval Sampaio Júnior, Medidas Liminares no Processo Civil Um novo enfoque, 1ª Edição, Editora Atlas, 2005, pág. 14.
6. O movimento nacional pela Conciliação e os seus atos normativos podem ser consultados no site www.cnj.gov.br, ao qual se acredita, que se por acaso essa política for posta em prática, o que pelo menos já se iniciou formalmente desde o último dia 08 de dezembro de 2006, a Justiça entrará em uma fase que a esperança de uma pacificação social passa a ser um sonho bem possível e real, já que os resultados desta experiência são bem exitosos nesse sentido.

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